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Publicado em:
25/5/2020

A comunicação digital na quarentena

João Pedro Paes Leme

Muito se tem falado e escrito sobre a aceleração dos processos de comunicação digital durante o período de isolamento. Em reuniões por vídeo ou em textos que se multiplicam pela internet, virou recorrente a comparação de que o mundo andou muitos anos em dois meses. E é fato. Mas quem já vivia dentro desse ecossistema percebeu claramente que a maior mudança não foi a criação de alguma tecnologia revolucionária nesses 60 dias. A gigantesca transformação tem sido na capacidade de compreensão das pessoas – uma espécie de democratização da cultura digital. A ideia que levaria normalmente 1 ano para amadurecer tem levado um mês, ou uma semana, dependendo do interlocutor. Hoje, com um conhecimento mais difundido e equilibrado sobre conteúdo e marketing digital, o diálogo tem permitido muita interação com marcas, agências e o público em geral porque o termo “digital” vem deixando de parecer um bicho de sete cabeças. Todos que vivem em alguma ponta da indústria da comunicação perceberam que a construção e publicação do conteúdo multiplataforma não têm mais volta como narrativa eficaz no século 21.

A impressão é de que as pessoas estavam confortavelmente esperando o futuro chegar e não perceberam que já conviviam com ele havia bastante tempo. Da noite para o dia, o mundo virou uma experiência remota e eis que a zona de desconforto obrigou muita gente a procurar uma passagem para o tal futuro que apareceu ali na esquina da nova década. Seja no básico, para quem ainda não sabia usar o Zoom, o Hangouts ou fazer uma live no Instagram; seja na necessária descoberta do e-commerce para compras online de itens que precisavam daquela desnecessária ida ao supermercado; seja no mais complexo: a compreensão de estratégias digitais de comunicação. Muitos profissionais perceberam que ainda não conheciam o século 21 por inteiro. E a quarentena apresentou o novo milênio a fórceps. É incrível ver tanta gente admitir e admirar a flexibilização dos processos, a cooperação, a parceria, o compartilhamento. São virtudes e verdades da economia criada pela quarta revolução industrial e que agora passam a ser vistas e conhecidas pela maioria.

No início do ano, escrevi um artigo no LinkedIn caracterizando minha empresa como uma vírgula. Primeiro porque algumas empresas de criação e distribuição de conteúdo do novo milênio não cabem numa definição única dentro das que existem hoje em dia. Segundo porque não sou mesmo muito adepto de pontos finais. Segue um trecho do artigo que achei interessante para o momento atual: “Como estamos no auge da revolução mais incrível relacionada à comunicação humana, sempre que me perguntam o que faz a Play9, empresa de gestão de conteúdo da qual sou sócio fundador, minha resposta é simples: ‘Nós somos uma vírgula’. A vírgula, na narrativa, permite melhorar a história contada, mudar os rumos com um pequeno ‘porém’, criar explicações mais detalhadas, descomplicar frases confusas, ajudar na compreensão do texto. Enfim, ser uma vírgula é permitir a mudança sem medo de saber o que vem depois. A vírgula é a beira do precipício. Mas o precipício nunca foi um problema para quem sabe construir pontes acreditando que haja algo do outro lado. Mesmo quando as nuvens impedem a visão completa da maioria. Diante da vírgula existencial (ou mesmo gramatical), há três movimentos possíveis, assim como diante do precipício: recuar, jogar-se lá embaixo em desespero, ou continuar a estrada construindo a tal ponte. Mesmo sem saber exatamente quantos quilômetros terá, porque já se sabe o mais importante: o que está do outro lado”.

Lembro que um dos comentários sobre o artigo foi do empreendedor e investidor Alberto Leite, um amigo que fiz ano passado, e que é uma dessas almas inquietas em busca de novas soluções o tempo todo. Ele adorou a definição da vírgula. Achou curiosa. Relendo o trecho que separei, vejo agora que era mesmo uma análise inusitada e também tinha um quê de premonitória para o que viria a acontecer nos meses seguintes. Obviamente, em janeiro, não tínhamos qualquer noção do que estava por vir, da crise humanitária que viríamos a enfrentar e de todas as suas consequências. Por isso, na última frase do parágrafo, vejo mais um dado para reflexão: mesmo sem saber o que há do outro lado, vale irmos construindo pontes. Porque nossa natureza humana nos impulsiona a seguir em frente, apesar dos maiores momentos de incerteza.

Se é verdade que o futuro chegou para muita gente sem bater à porta, também é certo que boa parte do mercado da comunicação precisou se adaptar a ele em dois meses. Das consultas do terapeuta às aulas dos filhos pequenos, dividas com o home office. Das entrevistas jornalísticas aos programas de auditório sem plateia. Tudo passou a ser viabilizado por tecnologias e modelos de negócio que já fazem parte do ecossistema da internet há pelo menos meia década. No mínimo. E esse é o atraso que está diminuindo em velocidade recorde entre alguns atores do mercado de comunicação em relação a outros, que já transitavam pelas vias agitadas do digital enquanto a vida parecia muito tranquila e bem resolvida no mundo off-line e/ou analógico.

Agora, vamos esperar o que vem as próximas fases da transformação. Porque esta era do contato remoto já começa a mexer com todos os processos conhecidos. E, aí sim, virão mudanças estruturais profundas: a valorização da solidariedade; a inversão do fluxo migratório com pessoas trabalhando a 100km da sede da empresa; a diminuição do tamanho das sedes por essa razão; a automatização de serviços cada vez mais complexos; os shows e eventos transmitidos com uma capilaridade que até hoje não existia. E dentro de todos esses desafios, as gerações que coexistem hoje, dos 10 aos 100 anos de idade, precisam se perguntar: “qual é o meu papel nessa nova era?”. É a resposta de 1 milhão de dólares. Mas se vale uma dica, o melhor é que a resposta seja flexível como uma vírgula em vez de ter a rigidez de um ponto final.